No Médio Solimões, iniciativa premiada envolve comunidade local em alternativa econômica e contribui para a preservação. Pousada Uacari recebe em média 700 turistas por ano, a maioria europeus e americanos.
Cristian Edel Weiss | Deutsch Welle
No lago formado pelo braço do rio Japurá, afluente do Solimões, uma plataforma flutuante se destaca entre o verde da Floresta Amazônica e o castanho-escuro da água: é a Pousada Uacari, localizada na Amazônia Central. A estrutura ecologicamente planejada tem capacidade para receber até 24 hóspedes simultaneamente.
Estrutura flutuante foi construída no fim dos anos 1990 sobre um afluente do rio Solimões, na Amazônia Central |
Uma média de 700 turistas visita o local por ano, dos quais cerca de 70% estrangeiros. Além de localizado no coração da selva, o local está inserido na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, instituída em 1996 para proteger o ecossistema local, e se tornou um dos principais exemplos do turismo sustentável no Brasil.
Uacari foi criada no fim dos anos 1990 pelo Instituto Mamirauá, responsável pela gestão da reserva. A organização social, conveniada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, foi idealizada pelo zoólogo José Marcio Aires e por um grupo de pesquisadores, com o fim de promover estudos sobre a biodiversidade na Amazônia e a qualidade de vida da população local.
A pousada foi um braço dessa proposta para desenvolver uma alternativa econômica local, e logo passou a contar com os moradores de 11 comunidades do entorno, incluindo uma indígena, totalizando hoje 800 integrantes. Agora, os moradores se preparam para em breve assumir a gestão da hospedaria de maneira autônoma.
Localizada na região do Médio Solimões, a Pousada Uacari é acessível de três formas a partir de Manaus: numa viagem de dois dias num barco regional; 12 horas pelo rio numa lancha; ou de avião até Tefé e depois uma hora de barco.
O turista pode se hospedar num dos dez bangalôs flutuantes, de madeira e com aquecimento e ventiladores alimentados por placas de energia solar. As estruturas têm sistemas próprios de tratamento de esgoto. Dali, os visitantes podem sair de canoa a remo para observar a fauna e a flora, caminhar pela floresta, interagir com as comunidades locais e aprender mais sobre a biodiversidade da Amazônia.
Segundo Pedro Meloni Nassar, coordenador do Programa de Turismo de Base Comunitária do Instituto Mamirauá, o perfil dos visitantes é de famílias e casais na média dos 50 anos, a maioria europeus e americanos, em busca de tranquilidade no meio da floresta.
As opções de roteiros variam de acordo com o nível do rio. Em épocas de cheia, como de abril a agosto, na maior parte da floresta a circulação é feita em canoas. Entre os passeios procurados estão o noturno e o chamado "pacote da onça", no qual os visitantes acompanham pesquisadores para aprender mais sobre o animal e, quem sabe, vê-lo em seu habitat, ainda que a distância. Os pacotes custam de R$ 650 a R$ 700 por dia.
Em 2015, a Pousada Uacari foi vencedora do Prêmio Braztoa de Turismo Sustentável. Promovida pelo Ministério do Turismo e pela Associação Brasileira de Operadores de Turismo, a iniciativa reconhece desde 2012 as melhores práticas turísticas que englobem os três pilares da sustentabilidade: desenvolvimentos econômico e social, e preservação ambiental. Em 2018, foi finalista do prêmio do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC), na categoria comunidades.
Para Reinaldo Miranda de Sá Teles, especialista em turismo sustentável e professor da Universidade de São Paulo, a Pousada Uacari é um dos principais exemplos de sustentabilidade do Brasil. Ele afirma que a iniciativa se enquadra nas diretrizes da Organização Mundial do Turismo para tornar a atividade mais sustentável no mundo, pois garante a preservação, com a reserva ecológica, e envolve a comunidade numa atividade limpa, com retorno financeiro mais viável do que a exploração dos recursos naturais.
Trabalho conjunto e transição
A criação da estação ecológica, em 1990, pelo governo do Amazonas, acarretou restrições econômicas aos moradores da região na década de 1990, como pesca ou atividades de uso intensivo dos recursos da área. A partir de 1996, o território foi recategorizado como Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, e o manejo ficou a cargo do Instituto Mamirauá.
Foi elaborado um plano de viabilidade econômica e realizadas conversas com os moradores da região. O consenso foi que a exploração do turismo se tornaria uma nova possibilidade para complementar a renda dos locais, dependentes principalmente da pesca artesanal.
Após o aval das comunidades, os primeiros hóspedes começaram a chegar em 1998. No ano seguinte, o instituto conseguiu recursos do Departamento para o Desenvolvimento Internacional do governo britânico para a construção de bangalôs, estrutura de cozinha e ambientes comuns.
A partir daí, mais moradores decidiram se envolver no projeto. Eles atuam como prestadores de serviço na pousada, no transporte de turistas e como guias em passeios pela mata, de canoa ou na observação dos animais. Os moradores são convocados por meio da Associação de Auxiliares e Guias de Ecoturismo do Mamirauá (Aagemam), criada por eles, que se encarrega de fazer os pagamentos, o recrutamento e a logística.
A taxa socioambiental cobrada dos turistas vai para um fundo comunitário, que serve tanto para a vigilância do local, feita pelos moradores, quanto para financiar projetos de melhorias nas aldeias. "Quanto mais turistas, mais dinheiro no fundo. A ideia é que a comunidade como um todo sinta e receba os benefícios da pousada", explica Nasar.
Desde 2013, o instituto desenhou novo plano de negócios que traçava o objetivo de alcançar a autonomia financeira da pousada nos dez anos seguintes. Como a estrutura ainda é do instituto, ele fornece muitos insumos ou serviços necessários para o funcionamento da hospedagem. Os moradores recebem treinamento, visando alcançar a autonomia. Até 2022 toda a gestão da pousada será transferida para eles, e o instituto manterá o foco apenas em pesquisa.
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