Ao contrário de Punta del Este, o resto da costa do Uruguai se consagrou pela natureza preserva pequenos vilarejos. Siga uma pacata viagem de carro entre Montevidéu e a praia de La Viuda
Rafael Estefanía | El País
No Uruguai, a simplicidade é uma virtude. Uma sucinta placa na saída do aeroporto de Carrasco, em Montevidéu, indica: “Para o leste”. Tudo está dito, e já é suficiente, porque, como tantos outros buscadores de sol antes de mim, sei que por trás desse cartaz se adivinha a promessa de 200 quilômetros de costa, natureza pura e algumas das melhores praias da América Latina. O lugar mais conhecido do leste uruguaio é sua punta, mas não é lá que se encontra a verdadeira alma do país. Talvez tendo aprendido a lição deixada pelo desenvolvimento turístico exagerado de Punta del Este, o resto da costa procurou se congraçar com a natureza e, em vez de erguer edifícios de concreto e vidro, preferiu se manter ao rés do chão, em vilarejos pequenos, sem praça e quase sem ruas, com casinhas térreas com vista para o mar e faróis fazendo as vezes de campanário nestes povoados sem igreja.
Terraço do restaurante La Susana, em José Ignacio (Uruguai) | RAFAEL ESTEFANÍA |
Um desses lugares é José Ignacio, a meia hora de Punta, um refúgio para quem procura qualidade longe do cimento. Um ar boho-chique (entre boêmio e chique) domina suas lojas de decoração e restaurantes, alvo da peregrinação dos bon-vivants. O caminho para o leste pela rodovia 10 nos leva para o coração do departamento (província) de Rocha, famoso por sua natureza e costas imaculadas, salpicadas por vastas extensões de areia como a de El Desplayado e a praia Del Barco. A beleza natural do lugar propiciou a proliferação de hotéis e lojas de souvenires.
Oceanía del Polonio
Prosseguindo rumo ao leste, um desvio por uma pista de terra em direção a Oceanía del Polonio leva a um lugar mágico, o Chez Silvia, uma cabana de madeira no meio de uma praia virgem, onde se pode desfrutar da tranquilidade e do slow food, a comida preparada e degustada com proposital lentidão. Seus donos são um casal de argentinos que, como tantos outros, chegaram e se apaixonaram pelo mar e o som das ondas, que quebram a 50 metros da cabana.
No dia seguinte, bem cedo, junto à ponte sobre o arroio Valizas, os pescadores preparam seus barcos de madeira e desembaraçam suas redes. Essas mesmas embarcações levam o viajante rio acima, num trajeto de quatro quilômetros que à sua passagem provoca o voo das garças e quero-queros nas margens, até chegar a um umbuzal nas áreas alagadiças, um autêntico capricho da natureza. Normalmente solitários, os umbuzeiros — uma espécie típica também do Rio Grande do Sul — crescem aqui apinhados em uma floresta envolvente de árvores gigantescas, que alcançam os 25 metros de altura.
Cabo Polonio
A próxima parada é Cabo Polonio, lugar mítico e paraíso hippie onde a única luz é a que alimenta o seu grande farol, que se alça como um bispo num tabuleiro de xadrez, protegendo a reserva natural que o cerca. Esse farol, imortalizado nos versos do cantor uruguaio Jorge Drexler na canção Doce Segundos de Oscuridad — “Não é a luz o que importa na verdade, são os 12 segundos de escuridão…” —, hoje é o promontório ideal a partir de onde avistar leões-marinhos com seus corpanzis pardos mimetizados com as rochas. É verdade que esses leões já não estão acompanhados apenas pelo punhado de hippies que procuravam refúgio neste lugar sem estradas nem luz elétrica. Hoje as picapes 4x4 que transportam os visitantes através das dunas e madressilvas do parque nacional de Cabo Polonio se multiplicaram, e o povoado virou uma parada obrigatória para turistas que vêm passar o dia para observar, com igual fascinação, os leões-marinhos e os hippies aferrados a este seu último reduto. Felizmente, o pôr do sol restabelece a ordem natural e, com a saída da última picape, com os turistas apressando-se para não perdê-la, Cabo Polonio volta a se encontrar consigo mesmo. Seus habitantes se reúnem ao redor de fogueiras na praia, com o violão, o chimarrão e o aroma da maconha emanando de baseados que passam de mão em mão, e cujas baforadas de fumaça se iluminam a cada 12 segundos, atravessadas pelo brilho do farol.
Barra de Valizas
No limite do parque nacional de Cabo Polonio se encontra o balneário de Barra de Valizas. Este encantador povoado com construções de madeira fincadas na areia, sem luz elétrica nem água corrente na maioria das casas, desperta a cada manhã com a visão das impressionantes dunas de 30 metros de altura. Esse inesperado horizonte de areia se estende por 42 quilômetros quadrados e constitui uma das paisagens naturais mais impressionantes da América do Sul. A subida na duna é lenta por causa do forte vento que a penteia e que sussurra ao ouvido do visitante com milhões de finíssimos grãos de areia sobrevoando a sua cabeça. No topo, um casal imortaliza numa selfie o seu beijo com gosto de areia. Um pouco mais à frente, a encosta de granito totalmente coberta de areia do morro da Buena Vista se transforma na pista perfeita por onde vários jovens se atiram com suas pranchas praticando sandboard.
Praia de La Viuda
Cai a tarde, e já falta pouco para chegar ao último destino desta rota. A Punta del Diablo, a menos de 50 quilômetros da fronteira brasileira, recebe o viajante como só ela sabe: com um espetacular entardecer que tinge o céu de rosa e laranja, desenhando as silhuetas das casas de madeira e dos botes na praia dos Pescadores. A Punta del Diablo, com suas ruas de areia e suas praias eternas, é hoje a meca dos mochileiros, muitos vindos da Argentina e do Brasil, cujo afluxo transformou esta pacata vila de pescadores em um lugar com agitada vida noturna.
Amanhece na Punta del Diablo. A road trip chegou ao fim. Uma viagem curta, tranquila, onde a serenidade toma o lugar do épico, e a aventura consiste apenas em passear sem relógio, nos deixando levar sempre para o leste, para nos deixar surpreender por uma natureza ainda pura. Contemplando a espuma das ondas na praia de La Viuda, o viajante percebe que o prêmio não era o destino, e sim o caminho. Um caminho que espera agora a viagem de volta, sempre rumo ao oeste.
GUIA
Como chegar
Uma vez no aeroporto de Carrasco, alugue um carro numa das agências e siga rumo ao leste pela rodovia número 10 até chegar a Punta del Este, a apenas 130 km de distância.
Dormir
Estancia Vik (José Ignacio). Fazenda típica uruguaia onde é possível viver uma experiência gaúcha cinco-estrelas.
Bahía Vik (José Ignacio). Luxo e arte com pé na areia. Nove estilosos bangalôs, cada um construído com um material diferente, imersos nas dunas da praia oceânica.
Chez Silvia (Rocha). Duas charmosas suítes numa rústica cabana de madeira e com a praia virgem de Oceanía del Polonio a seus pés.
La Viuda del Diabo (Punta del Diabo): Se estivesse mais perto do mar as ondas o levariam. Ancorado na areia ao final da praia de La Viuda, este é o lugar com mais encanto e mais classe na Punta del Diablo.
Comer
La Susana. Parte do império de Alexander Vik e homenagem à sua mãe uruguaia, este delicioso quiosque de praia é o lugar perfeito para comer peixe fresco durante o dia e tomar coquetéis ao entardecer, na companhia da clientela mais seleta de José Ignacio.
Juana Cocina Bar. Moderno e rústico, este acolhedor restaurante com aspecto de casa de campo é um dos segredos mais bem guardados de toda a costa uruguaia.
Chez Silvia. Ecos franceses na elaboração e produtos de temporada nos ingredientes neste idílico enclave afastado do mundo.
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